segunda-feira, 1 de outubro de 2012

"SOBRE O BULLYING"



Bullying é um fenômeno escolar que, por definição universal, caracteriza-
se por um conjunto de atitudes agressivas, intencionais e repetitivas que
ocorrem sem motivação evidente, adotado por um ou mais alunos contra
outro(s), causando dor, angústia e sofrimento. Insultos, intimidações, apelidos
cruéis, gozações que magoam profundamente, acusações injustas, atuação
de grupos que hostilizam, ridicularizam e infernizam a vida de outros
alunos levando-os à exclusão, além de danos físicos, morais e materiais,
são algumas manifestações deste comportamento (Fante, 2005).
Todas as formas de atitudes agressivas, intencionais e repetidas, que
ocorrem sem motivação evidente, adotadas por um ou mais estudantes contra
outro(s), dentro de uma relação desigual de poder caracterizam o bullying.
Portanto, os atos repetidos entre iguais (estudantes) e o desequilíbrio de
poder são características essenciais que tornam possível a intimidação da
vítima (ABRAPIA).
Todas as definições convergem para a incapacidade da vítima em se
defender. A vítima também não consegue motivar outras pessoas a agirem
em sua defesa. Principal característica, ou a mais grave: a propriedade de
causar traumas no psiquismo de suas vítimas. Fante (2005) considera que,
Bullying – B. Detoni
Pensando Famílias, 12(1), jul. 2008; (119-131)
Se está ocorrendo bullying em uma escola, todos os alunos estão envolvidos
de alguma maneira. Esta autora classifica cinco diferentes papéis que podem
ser desempenhados na situação de bullying.
As vítimas ou alvos são divididas em três categorias
A vítima típica pode ser considerada o bode expiatório do grupo. É um
indivíduo (ou grupo de indivíduos), geralmente pouco sociável, que sofre repetidamente
as conseqüências dos comportamentos agressivos de outros e
que não dispõe de recursos, status ou habilidades para reagir ou fazer cessar
essas atitudes prejudiciais. As características mais comuns apresentadas
por estes indivíduos são: aspecto físico mais frágil; medo que lhe causem
danos ou de ser fisicamente ineficaz nos esportes e nas brigas; coordenação
motora deficiente; extrema sensibilidade, timidez, passividade, submissão,
insegurança, baixa auto-estima, alguma dificuldade de aprendizado,
ansiedade e aspectos depressivos. Em muitos casos, relaciona-se muito
melhor com adultos.
A vítima provocadora atrai e provoca reações agressivas contra as quais
não consegue lidar com eficiência. Tenta responder ou brigar quando é atacada
ou insultada, mas é ineficaz. Pode ser hiperativa, inquieta, dispersiva e
ofensora. Costuma ser responsável por causar tensões no ambiente em que
se encontra.
A vítima agressora (ou alvos/autores) reproduz os maus-tratos sofridos.
Tendo sofrido situações de bullying na escola, tende a procurar indivíduos
mais frágeis para transferir os maus-tratos sofridos.
Oagressor (ou autor) é quem vitimiza os mais fracos. Costuma ser um
indivíduo que manifesta pouca empatia. Com freqüência, é membro de família
desestruturada, em que há pouco ou nenhum relacionamento afetivo. Os
pais exercem supervisão pobre sobre os filhos, tolerando e oferecendo como
modelo de solução de conflitos o comportamento agressivo ou explosivo. É
considerado malvado e duro pelos outros. Pode se tornar um adulto com
comportamentos anti-sociais e violentos.
Oespectador (ou testemunha) é quem presencia o bullying, mas não o
sofre nem pratica. Representa a maioria dos alunos que convive com o problema
e adota a lei do silêncio por temerem se tornar um novo alvo para o
agressor. Podem se sentir incomodados e inseguros sem saber o que fazer.
Também podem ter prejuízo acadêmico e social.
O bullying, nas faixas pré-adolescente e adolescente, se insere numa
idade determinada pela representação de importantes funções evolutivas futuras
ou por condições psicológicas particularmente instáveis, emocionais e
físicas do indivíduo. Nessas fases de importantes transformações evolutivas,
Bullying – B. Detoni
Pensando Famílias, 12(1), jul. 2008; (119-131)
A primeira, a idade pré-adolescente (dos 7 aos 12 anos), caracteriza-se pela
necessidade de uma orientação firme e de uma intensa base afetiva por
parte do adulto educador. Na segunda fase (dos 13 aos 16 anos) tal necessidade,
embora presente em estado latente sob a forma de um desejo de
encorajamento, é superada por uma exigência de protagonismo, de autonomia
e de vida social (Costantini, 2004).
Pressupõe-se que essas exigências gerais, típicas dos adolescentes,
envolvam com a mesma intensidade tanto vítimas quanto intimadores. Mais
do que as condições subjetivas, familiares ou sociais específicas, é a ausência
de desenvolvimento de uma ou mais potencialidades evolutivas ligadas
ao crescimento que determina para alguns o papel de vítima e para outros o
de intimidador. Um desenvolvimento auto-crítico positivo mais adequado, como
a auto-estima, o reforço pessoal e a assertividade (capacidade de se impor e
defender o próprio ponto de vista), seria útil, por exemplo, à vítima, para
conseguir enfrentar seu destino, ao passo que, para os intimidadores, o desenvolvimento
de comportamentos de autocontrole e tolerância, de sentimentos
altruístas e de educação social e cívica, como a empatia, a compreensão,
a solidariedade e o respeito às regras, seria útil para evitar cair em
caminhos perigosos.
No ambiente escolar é difícil libertar-se de certa distribuição de papéis,
seja para o agressor ou para a vítima, ambos condicionados pelo grupoclasse
no qual estão inseridos. A sala de aula é determinante na elaboração
de um sistema de regras de grupo, segundo o qual há aquele que é intimidado
e aquele que deve intimidar aquele que é testemunha participante (via de
regra a favor do intimidador) e aquele não-participante (indiferente ou às vezes
a favor da vítima, mas amedrontado pela situação) (Costantini, 2004).
O contexto relacional e psicológico que se produz com o bullying é típico
de um sistema em grupo fechado, problemático, que não encontrou brechas
para desenvolver positivamente as relações entre os seus membros. Na ausência
disso, ganham espaço as dinâmicas mais negativas, nas quais as
relações internas entre os companheiros se cristalizam em rituais, em atitudes
de zombaria e escárnio, de intimidação e de desvalorização do outro, de
passividade e de impotência; ou ainda (da parte da chamada maioria silenciosa)
em gestos de indiferença e passividade, para escapar de situações desagradáveis
que se convertem em isolamento e marginalização da vítima. Produzem-
se assim, identidades individuais e de grupo que tendem a cristalizar-se
em relações e comportamentos repetitivos, nos quais ficam gravados, de forma
permanente, estereótipos, funções e rótulos (Costantini, 2004).
Para a vítima, essa condição tem conseqüências a curto e longo prazos:
ansiedade, ausência de auto-estima, depressão e transtorno
Bullying – B. Detoni
Pensando Famílias, 12(1), jul. 2008; (119-131)
comportamental, a ponto de abandonar a escola e, como as pesquisas revelam,
nos casos mais graves e para os indivíduos mais fracos, pode haver
também uma maior probabilidade de risco de suicídio concernente ao dado
fisiológico ligado è adolescência (Costantini, 2004).
A vítima freqüentemente não encontra condições para recuperar-se
porque não há clima de proteção física e muito menos ajuda necessária de
um adulto que interrompa a situação de bullying e que também seja capaz
de dar reforço psicológico ao mais fraco. Para a vítima, sair desse papel
significa emancipar-se de uma situação de sofrimento e de absoluta impotência
psicológica. Ações concretas que rompam com esses sentimentos e
que demonstrem que a realidade é totalmente modificável podem dar-lhe
aquele empurrão necessário para tomar coragem e mudar a maneira de a
vítima ver as si mesmo (Costantini, 2004).
Tanto os perseguidores quanto as vítimas parecem carentes de habilidades
relacionais, porque não as desenvolveram individualmente, porque lhes
faltou oportunidade de se sentirem inseridos em contextos escolares nos
quais poderiam aprendê-las e exercitá-las. O contexto-escola e o grupoclasse,
e provavelmente a família não tem sido para eles, sob esse aspecto,
nem educativos, nem significativos, nem úteis. O sistema educativo que os
cerca não foi suficientemente incisivo para evitar que caíssem nesses dois
estereótipos (Costantini, 2004).
Um contexto significativo para a vítima é aquele que, antes de mais
nada, consegue protegê-la das intimidações e humilhações; e que depois
permita que desenvolva com menos tensões sua capacidade de autodefesa.
Eles contam seus segredos aos pais, com clareza, mas estes não parecem
ter capacidade de compreender suficientemente suas preocupações e
comunicá-las à escola (Costantini, 2004).
O bullying é um problema que interessa à coletividade e ao papel dos
adultos nas várias agências educativas (escola, família, voluntariado, associações),
mas também em relação ao futuro da sociedade. Os jovens agressivos,
por causa de seu comportamento transgressor e violento, têm mais
probabilidade de assumir comportamentos mais problemáticos como a delinqüência
e o alcoolismo (Costantini, 2004).

Pensando Famílias